Criticada durante surto de ebola e pandemia de covid, Organização Mundial da Saúde também acumula grandes feitos
Em abril de 1945, políticos de todo o mundo se reuniram em São Francisco, nos Estados Unidos, para estabelecer a Organização das Nações Unidas (ONU).
Na reunião, os líderes de Brasil e China sugeriram a criação de uma outra organização mundial: uma especificamente dedicada à saúde global, e não à política global.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) nasceu três anos depois, quando sua constituição entrou em vigor, em 7 de abril de 1948, há exatos 75 anos.
O estatuto afirma que a saúde é um direito de todo ser humano, “sem distinção de raça, religião, crença política, condição econômica ou social”, e que “a saúde de todos os povos é fundamental para a obtenção da paz e da segurança”.
A sede da OMS fica em Genebra, na Suíça. Há ainda seis escritórios regionais e outros 150 em vários países em todo o mundo.
“Sem dúvida, enfrentaremos ameaças à saúde mais frequentes e graves no futuro”, afirma Wafaa El-Sadr, professor de epidemiologia e medicina da Universidade de Columbia, em Nova York, em entrevista à DW.
“Temos que trabalhar duro para nos unirmos para enfrentar essas ameaças à saúde. Isso significa pensar além das prioridades nacionalistas, significa pensar em prioridades conjuntas e, o mais importante, significa apoiar organizações como a OMS que trabalham para o bem coletivo.”
Em seus 75 anos de história, a OMS, liderada desde 2017 pelo diretor-geral Tedros Adhanom Ghebreyesus, teve grandes sucessos – e também fracassos.
Erradicação da varíola
Um dos maiores sucessos na busca da OMS para garantir o bem-estar da população global ocorreu em 1980, quando a organização anunciou oficialmente a erradicação de uma doença infecciosa comum, mas mortal, com séculos de existência.
“Talvez o [sucesso] mais notável tenha sido a erradicação da varíola, a única doença humana a ser erradicada”, diz El-Sadr, que também lidera a Iniciativa Global da Escola de Saúde Pública Mailman, da Universidade de Columbia. “Embora houvesse outros envolvidos neste esforço, a OMS desempenhou um papel fundamental, galvanizando o mundo em torno daquele objetivo.”
Christoph Gradmann, professor de história da medicina na Universidade de Oslo, na Noruega, acredita que a erradicação da varíola é um exemplo perfeito de como a OMS atua em sua melhor forma: em situações de acordo político.
“Quando os Estados-membros não estão na mesma página sobre como proceder, a organização fica paralisada”, afirma Gradmann.
“Durante a Guerra Fria, houve amplo consenso entre os dois blocos [liderados por Estados Unidos e Rússia] de que a erradicação da varíola era uma meta a ser enfrentada. A OMS viu seus maiores sucessos quando os membros concordam sobre quais projetos valem a pena ser realizados e como.”
Surto de Ebola: uma falha da OMS?
Muitos especialistas concordam que o surto de ebola de 2014 na Guiné, Libéria e Serra Leoa foi um exemplo de um trabalho menos bem feito da OMS. A organização foi criticada, entre outras coisas, por não reagir com rapidez suficiente para enfrentar a epidemia.
Mas El-Sadr diz que muitas das críticas após o surto, que terminou em 2016, foram devido a um mal-entendido sobre como a OMS funciona.
“Havia expectativas irrealistas para a OMS, com muitos esperando que [a organização] fosse com força aos países afetados para enfrentar o surto”, afirma El-Sadr. “Isso não está dentro do escopo da OMS. Seu papel é orientar a resposta, desenvolver orientações, mas não ir a um país para ajudar a lidar com uma ameaça específica à saúde.”
Gradmann concorda. “A OMS é uma organização democrática”, afirma. “Não é uma polícia mundial de saúde feita para intervenções rápidas.”
Na verdade, a OMS não tem autoridade para agir em um Estado-membro, a menos que ele peça ajuda.
Ainda assim, Rüdiger Krech, diretor de promoção da saúde da OMS, diz que após a epidemia de ebola, de 2014 a 2016, a organização fez mudanças significativas em sua estrutura. Um exemplo é que agora depende menos dos governos nacionais para obter informações cruciais sobre saúde, diminuindo, assim, as chances de perder o início de outro surto grave de doença.
“Também temos cooperação com empresas de tecnologia”, afirma Krech. “Elas [as empresas] podem nos contar sobre um surto antes que qualquer informação oficial do governo chegue, dizendo ‘estamos vendo muitas pessoas pesquisando sintomas para esta doença’. E usamos imagens de satélite de agências espaciais, como a ESA [Europa] e a NASA [EUA], que podem nos mostrar regiões onde muitas pessoas estão com febre alta.”
Para Krech, a resposta amplamente criticada da OMS à epidemia de ebola levou a uma “transformação” geral da organização.
A tentativa fracassada de erradicar a malária
A desistência de tentar erradicar a malária na década de 1960 é outro exemplo do que alguns consideram um trabalho malfeito.
A OMS lançou o Programa Global de Erradicação da Malária (GMEP, na sigla em inglês) em 1955. Parecia promissor, com 15 países e um território conseguindo erradicar a doença.
Mas houve pouco ou nenhum progresso na África subsaariana sob o programa e, em muitos lugares, o fracasso em manter o GMEP levou ao ressurgimento da malária. Em 1969, o programa foi descontinuado.
O GMEP “levou a OMS à beira da falência”, diz Gradmann. “Os Estados-membros estavam perdendo a fé no programa enquanto ele ainda estava em andamento e retiraram o financiamento.”
Uma das razões pelas quais a erradicação não funcionou, explica Gradmann, é que a malária não é apenas uma doença humana, mas tem reservatórios na natureza. Isso a diferencia da varíola, por exemplo.
E quanto à covid-19?
No começo da pandemia de covid-19, alguns críticos, entre eles o então presidente dos Estados Unidos Donald Trump, reclamaram que a OMS não estava fazendo o suficiente para apoiar os Estados-membros em sua luta contra a doença. Mas especialistas como El-Sadr e Gradmann dizem que não era função da OMS agir e introduzir iniciativas no auge da pandemia de coronavírus.
“Durante a covid-19, a OMS forneceu dados e fez trabalho administrativo”, explica Gradmann. “Mas as iniciativas para combater a doença tiveram que vir de cada Estado-membro. Não acho que a OMS tenha desempenhado um papel importante na pandemia de covid”, afirma.
El-Sadr enfatiza que os governos nacionais dos Estados-membros estavam encarregados de tomar decisões sobre a melhor forma de conter a pandemia em seus países. Eles receberam conselhos da OMS, mas essas recomendações não eram obrigatórias.
A OMS “foi bloqueada por um mundo dividido, com nações promovendo seus próprios interesses às custas dos outros – esquecendo os princípios que informaram à criação da OMS”, diz El-Sadr. “A OMS não tem autoridade para impor suas recomendações – os países podem aceitá-las ou abandoná-las.”
Fonte: Opera Mundi